segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

É Notícia?!É História!





Uma ovelha desgarrada do rebanho


Em um interessante artigo (http://ghiraldelli.pro.br/2010/01/boriscasoy/), Paulo Ghiraldelli reflete acerca do vídeo no qual o jornalista da tv Band Boris Casoy desmerece os garis. Em tal texto, o filósofo de São Paulo mostra que uma parte de nossa elite nacional possui um grande desprezo com determinados grupos sociais. Segundo esse autor, o vídeo em que Boris Casoy ironiza e empana os profissionais da nossa urbana, atesta exatamente o “ódio de classe entre os brasileiros, sim, entre nós brasileiros”. Estes não se amariam candidamente, independente da classe, cor ou oficio.
A leitura que Paulo Ghiraldelli fez do caso Boris Casoy nos permite pensar uma questão que é problematizada desde muito tempo na nossa história; o Brasil é uma Nação cujos membros vivem harmoniosamente, sem nenhum desprezo de classe, cor ou oficio? O fato de sermos todos, em tese, brasileiros é suficiente para que nossas diferenças se amenizem, permitindo um convívio tranqüilo e saudável entre nós? Ou será que o espectro do apartheid, tão presente em outros países, também dá aqui sua cara? Nós, brasileiros, tal qual europeus, também não possuímos uma certa ojeriza a certos “brasileiros”?
Nas décadas iniciais do século XX, um homem pernambucano disse que no Brasil, pelos menos até sua época, haveria uma convivência harmoniosa e saudável entre os brasileiros. Embora existissem discrepâncias sociais e conflitos, no Brasil todos os homens e mulheres se reconheciam como membros de uma nação e, conseqüentemente, viviam em um estado de harmonia. O Brasil era um país, socialmente falando, apaziguado, livre de dissensões, racismo e apartaheids. É essa a imagem que a idéia de “democracia racial”, formulada por Gilberto Freyre (homem a quem me referi no início deste parágrafo), quer passar. As diferenças sociais - e até mesmo os conflitos sociais – se diluem em nome de uma entidade abstrata chamada Brasil. Aliás, para Freyre, este é fundado graças ao momento em que os portugueses, africanos e índios se despem de suas diferenças e coabitam. Para o Brasil surgir, foi essencial que as diferenças fossem superadas, postas de lado. Na visão de Freyre, os brasileiros se querem bem. São solidários entre si. Esquecem as divergências e olham apenas para a nação que os une. O Brasil, como o próprio hino nacional diz, seria uma espécie de mãe gentil cujos filhos até discutem e brigam, mas jamais cortam relações.







No entanto, o vídeo de Boris Casoy  parece negar tais idéias. Casoy provavelmente deve simpatizar com os posicionamentos políticos de Freyre (não tenho muita certeza se ele realmente leu Freyre). Afinal, ambos são ligados ao pensamento da Direita nacional, são ultra-conservadores e não só apoiaram o regime ditatorial brasileiro como obtiveram cargos governamentais. Porém, quanto ao tratamento aos brasileiros, a brasilidade, há um abismo entre os dois. Além do enorme despenhadeiro intelectual entre ambos. No momento em que Boris Casoy vomitava tais palavras ele acabava por jogar por terra as idéias de Freyre. Aquele confirmou a visão de que no Brasil, ao contrario do que pensava o intelectual pernambucano, inexiste uma total harmonia social entre os grupos nacionais. Certos grupos sociais tem uma certa ojeriza ou repilo a outros grupos sociais. Garis, diaristas, flanelinhas, pedreiros e afins causam um mal estar em muitos indivíduos, sobretudo àqueles ligados a elite econômica e política. Sensação essa que nem para nós mesmos temos coragem de admitir.
Talvez, a aversão às cotas nas universidades federais tenha um pouco disso; a vontade de não dividir espaços com certos grupos, de manter um espaço “puro”, destinado apenas a um único grupo social. No Brasil, as fronteiras entre os espaços, sejam eles institucionais ou não, é uma constante. Nossa elite gosta de cindir os espaços, de modo que estes separem ricos e pobres, brancos e negros, primeira classe e segunda classe, senhor e escravo. Foi assim em varias festas e continua sendo assim, vide as áreas Vips e os famosos camarotes. Até mesmo uma festa popular, como o carnaval, tem seu espaço esquartejado por uma lógica segregacionista e – porque não – racista. Assim, Boris Casoy parece ser uma ovelha desgarrada do rebanho conservador de Gilberto Freyre.



Por Diego Fernandes